Vamos dar à Jay o que é de Jay. E às mulheres o que é das mulheres
Date Jay quae sunt Jay: O SXSW e a certeza de que o futuro da comunicação vai além da tecnologia – é sobre conexões reais e significativas
O futuro da tecnologia, da comunicação e dos negócios está cada vez mais sendo liderado por mulheres. Foi esta a frase que ecoou na minha cabeça no voo de volta de Austin, no Texas, depois da maratona de tecnologia, inovação, música, cinema e cultura que é o SXSW (South by Southwest). O evento reúne anualmente criadores, empreendedores e líderes para explorar tendências, novas ideias e o futuro da criatividade. Por lá, vi mulheres CEOs compartilhando suas trajetórias, desafiando padrões e construindo modelos que colocam propósito, impacto e ética no centro das decisões empresariais.
Eu vi Meredith Whittaker, CEO da Signal, em uma abordagem incisiva sobre privacidade e tecnologia. Ela trouxe uma reflexão essencial: as ferramentas digitais devem servir às pessoas, e não o contrário. No cenário atual, em que dados pessoais se tornaram a moeda mais valiosa, a Signal se destaca como uma voz de resistência, defendendo a criptografia e uma comunicação segura. Isso me fez refletir sobre a responsabilidade que temos ao criar estratégias de comunicação que priorizem transparência e segurança para as audiências.
Depois veio Jay Graber, da Bluesky, com uma postura firme e um recado claro. Sua camiseta preta estampava a frase em latim "Mundus sine caesaribus" ("Um mundo sem Césares"), uma resposta direta à provocativa "Aut Zuck aut nihil" ("Ou Zuck ou nada"), usada por Mark Zuckerberg. Enquanto a camiseta esgotava em minutos no mercado, sua fala foi uma aula sobre redes descentralizadas e a necessidade de devolver poder aos usuários, reduzindo a dependência de monopólios e criando um ecossistema digital mais aberto. No universo da comunicação, isso abre espaço para novas formas de construção de comunidades e interações mais autênticas.
Também vi a atriz e diretora Issa Rae com uma visão essencial sobre representatividade e narrativa na mídia com seu documentário Seen and Heard, que celebra a presença negra na televisão. Com entrevistas de figuras icônicas como Oprah Winfrey e Shonda Rhimes, Rae expôs não só o impacto positivo da representatividade, mas também os desafios enfrentados por criadores negros ao longo da história. Sua palestra reforçou a importância de questionarmos quem está contando as histórias e como podemos amplificar vozes diversas para criar narrativas mais inclusivas e poderosas. Não é sobre criar conteúdos, sim sobre criar conexões.
A construção de comunidades é imprescindível, principalmente se criadas dentro de um ecossistema próprio. Hoje, existem alternativas fora das redes sociais mainstream que possibilitam um engajamento mais profundo e significativo. O Substack, por exemplo, permite a criação de newsletters onde conteúdos podem ser distribuídos diretamente para um público fiel. O Signal oferece um ambiente seguro para comunidades em aplicativos de mensagens, garantindo privacidade e discussões protegidas. Já o Discord possibilita a formação de comunidades segmentadas e interativas, com canais de voz, texto e integração com outras ferramentas.
Em tempos especialmente difíceis, uma comunidade de apoio mútuo é fundamental em qualquer plataforma que ela esteja. Eu já sentia isso, mas ouvir o curador do South by, Hugh Forrest, corroborar esta ideia na abertura do keynote de Jay Graber me deu mais certezas. Ele ressaltou que "quando você está se sentindo para baixo", a conexão com uma comunidade forte pode ser uma das ferramentas mais poderosas para encontrar motivação e renovação. Isso me marcou. O tom do evento perpassa por este movimento, que acredito ser um sentimento South by. Meio hippie? Talvez. É importante lembrar que o SXSW nasceu como festival de música no fim dos anos 80 e este DNA progressista sempre esteve presente.
O centro de Austin fica repleto de pessoas com credenciais no pescoço: as rosas, do tipo badge interactive, e as pratas, do tipo badge platinum. Mas os mais descolados da avenida são os da badge azul – a comunidade da música e do cinema, que se destaca pelas roupas estilosas e pela atitude fiel ao lema "Keep Austin weird”, no melhor dos sentidos.
O patinete foi o veículo oficial para me locomover pela cidade. Entre uma programação e outra, atravessar as ruas movimentadas sobre duas rodas permitiu acompanhar de perto atmosfera de Austin.Às 17h, quando finalizava as palestras, o pub belga Mortium Subitus se tornou parada obrigatória. Acompanhada de uma Delirium, testemunhei lindos fins de tarde na Congress Avenue, observando a cidade em seu ritmo caótico de South By. Além da fauna do evento, foi possível acompanhar ativações de marcas como Criterion, L’Oréal, Museu do Futuro de Dubai e Rivian. Para mim a experiência da Criterion Collection, especialmente, se destacou entre as experiências de marca do SXSW. O storyliving como ele deve ser, com memórias e emoções. Veja aqui no perfil da marca.
Posso dizer que agora existe em mim a expressão ‘Antes de Austin e Depois de Austin’. Foi como acender um novo alerta interno – não apenas sobre as tendências que vêm por aí, mas sobre o papel que quero desempenhar nessa transformação. Como mulher e líder, vejo que nossa responsabilidade é mais do que apenas ocupar espaços: é redefinir como esses espaços funcionam. Na Lavanda, sempre acreditamos em comunicação autêntica e estratégias que colocam as pessoas no centro, preferencialmente as mulheres. Criar espaços saudáveis e seguros em que as pessoas são o centro é uma tendência real, e juro que não foi a futurista Amy Webb que me disse isso.
Valorizar as relações humanas é o que nos resta e cultivar a atenção plena e nos reconectar com experiências reais, ao invés de sermos consumidos por ciclos de estímulos digitais e trabalho constante.
Ter todos esses insights no meio de 70 mil pessoas disputando lugar em salas que cabem no máximo 5 mil só foi possível tendo paciência com longas filas e trocando o FOMO (Fear of Missing Out, o medo de estar por fora) pelo JOMO (Joy of Missing Out, a alegria de não precisar seguir absolutamente tudo). Priorizei as boas conexões, as conversas inesperadas e trocas espontâneas.
O futuro pertence a quem tem coragem de questionar, de experimentar e de criar com propósito. Agora, é ainda mais claro que o futuro da comunicação não é apenas sobre tecnologia – é sobre construir relações reais. E eu quero seguir fazendo parte dessa construção.
Ana Rita de Holanda, CEO da Lavanda Digital, foi convidada pelo Sebrae DF para participar desta missão ao SXSW e contou com a curadoria da OCLB.