
O calendário marcava 7 de julho de 2009. Eu abri o Twitter no meu computador e, dentro da sua interface de gosto duvidoso, comentei como era bonito o funeral de Michael Jackson. Alguns dias depois, abri a plataforma para dizer que todos deveriam fazer yoga. Em 26 de julho de 2009 anunciei publicamente que estava bêbada.
Se você já tinha Twitter nesta época, deve ter achado normal. Hoje, pensar em anunciar na plataforma que estou bêbada vem com uma ansiedade. Acho que receberia respostas de ódio porque sou uma "jornalista de esquerda cachaceira". E isso sou eu pegando leve no que já apareceu de doido na minha rede.
Em 2020, eu usei o Twitter e minha conta verificada para relatar a pandemia na Itália. Falei sobre as medidas restritivas, o lockdown e divulguei os números de mortos diariamente. Nos meus replies, algumas pessoas agradeceram, ajudaram a ampliar a informação. Outras me chamaram de feia, rebateram com desinformação antivacina e cloroquina.
Daquele tweet de 2009 para os de 2020 algumas coisas mudaram. Não só eu tinha amadurecido e me tornado uma jornalista (até que) respeitada, mas a plataforma também tinha outro papel. A rede de "microblogs" deu poder a muita gente. Se tornou ferramenta de todos os ativismos, cresceu muito.
De certa forma, a rede social despretenciosa, baseada em SMS, que começou com pequenos diários virtuais, virou um perigo: desinformação, assédio moral, ataques à democracia, nazismo, movimentos antivacina, golpismo, Steve Bannon, e, enfim, Elon Musk.
Musk, também conhecido como o homem mais rico do mundo, decidiu comprar o Twitter em abril. A empresa perdeu valor, as ações despencaram e aí o caso foi parar nos tribunais. Ele hesitou – como um reles mortal pode pensar muito antes de comprar um celular – e, em 27 de outubro, o Twitter passou a ser dele.
Por 44 bilhões de dólares, Elon Musk se tornou dono de uma rede de 396,5 milhões de usuários. A aquisição mostra como foguete – e bilionário dono de foguete – não tem ré. Musk é conhecido pela Tesla, uma empresa famosa por seus carros elétricos, mas que é mais do que isso: é uma das seis empresas americanas que chegaram a US$ 1 trilhão em valor de mercado, mais do que suas nove maiores concorrentes juntas.
A Tesla e o Twitter fazem parte de uma lista sem fim de grandes impérios tecnológicos que incluem a SpaceX, uma empresa de energia solar e outras iniciativas que parecem ter saído diretamente de uma ficção científica como a Neuralink, cuja missão é “conectar o cérebro humano a computadores”.
No site oficial, o Twitter descreve que sua missão é usar “o poder positivo para dar mais força às nossas comunidades mediante uso da nossa plataforma, da nossa equipe e dos nossos lucros”. Agora, este “poder positivo” é de Musk. E é difícil dizer o que vem por aí nos próximos dias.
Tudo isso aconteceu:
Musk entrou na sede do Twitter carregando uma pia (?) e, logo depois, tuitou ”Let that sink in". No linguajar do business, a expressão "kitchen sinking" significa uma ação radical em uma empresa. Eu também não conhecia.
Os primeiros a descerem pelo ralo foram os funcionários: de altos executivos, incluindo CEO e CFO a equipes inteiras de moderação de conteúdo. O aviso chegava no email corporativo se o emprego estivesse mantido, ou na conta pessoal em caso de demissão. Depois, vários funcionários foram readmitidos.
Algumas marcas que anunciam no Twitter também abandonaram o barco. Como Musk defende que a moderação de conteúdo limita a liberdade de expressão, o temor é que a rede fique tomada de desinformação e conteúdo tóxico. E nenhuma marca quer se ligar a isso, né?
A IPG, uma das maiores empresas de publicidade do mundo, fez uma recomendação pública para que seus clientes suspendessem seus gastos no Twitter. Desde então, a General Motors anunciou que não anunciará mais na plataforma. Pfizer, United Airlines, Audi, e Carlsberg também abandonaram o barco. Não é coincidência que algumas destas empresas sejam concorrentes da Tesla, outra gigante do império de Elon Musk.
Mais de 40 grupos que representam direitos civis assinaram uma carta aberta aos 20 maiores anunciantes do Twitter. As instituições pedem que as marcas suspendam suas campanhas de mídia na plataforma diante do afrouxamento da moderação do conteúdo. "Se Elon Musk seguir com apenas uma parte do que ele já se comprometeu a fazer, o Twitter não será e não poderá ser uma plataforma segura para marcas", diz o documento.
Algumas medidas foram anunciadas: Musk quer que o selo de verificação custe 8 dólares, por exemplo. Ele e o escritor Stephen King (aquele) trocaram farpas sobre a iniciativa.
Engenheiros do Twitter passaram uma tarde de sexta-feira imprimindo resmas e resmas de código. O pedido de Musk e da equipe Tesla não faz sentido algum, já que o modo analógico não vem com os metadados que importavam para a equipe. E aí veio outro pedido: parar de imprimir e rasgar todos os papéis. Os funcionários que trabalhavam remotamente também tiveram que voltar para o escritório.
Desde a compra, Musk tem alfinetado – com o humor que lhe é peculiar – as práticas e processos do Twitter. No dia 8, ele publicou uma camiseta dizendo "Obrigado pelo feedback, agora pague 8 dólares". No dia seguinte, ele tuitou: “Por favor, observe que o Twitter fará muitas coisas burras nos próximos meses. Nós vamos manter o que funciona e mudar o que não funciona”.
Antes, em maio, teve isso aqui…
Even though I think a less divisive candidate would be better in 2024, I still think Trump should be restored to Twitter
Elon Musk ou Michael Scott?
Reler essa sequência bizarra de acontecimentos me fez voltar para o humor, aquele lugar quentinho que nos salva do desespero. Imaginei o Michael Scott de The Office entrando no escritório com uma pia. Ou que essa seria a exata cena se um dia o bilionário decretar falência.
Imprimir códigos ou sair demitindo sem sensibilidade alguma seria uma coisa que Dwight faria facilmente se realizasse o sonho de se tornar o chefe.
Aquele Twitter que eu usei para brincar, conhecer gente, me informar, encontrar minhas fontes, fazer amigos em dois países, criar memes e trabalhar virou um fim de festa horroroso, com um clima parecido com esse aqui:
O que a gente anda fazendo
Nosso jardim florido tem cada vez mais talentos novos. Fizemos um post apresentando o Fernando, o único homem da equipe, e outro com a Mariana, que entra no nosso time de Lavandivas e de Maris também.
Nossa parceria com a Unicef Brasil tem nos deixado orgulhosas. Neste post, mostramos alguns destes trabalhos que são a nossa cara.
Uma lista gostosa de links para todos os gostos
Para assistir:
The Crown está de volta
E The White Lotus também
O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro
Bem vindos à vizinhança
Where’d you go Bernadette?
As Garotas do Fundão
Sagrada Família
O nome dela é Gal
Para ler
Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner
Se Adaptar, de Clara Dupont-Monod
O lugar, de Annie Ernaux
Para se divertir
O jogo Sanduíche é para toda a família