🌿 Se alguém perguntar por mim...

... diz que eu fui cancelada, levando meu violão debaixo do braço

Nosso canto livre é sempre cancelado

Thaís Cunha

Se Nara Leão estivesse viva, provavelmente seria minha influencer favorita. Ela escolheu não ser escrava de nenhum sucesso: cantou com Tom Jobim, Fagner, Dominguinhos, Roberto Carlos. E desafinou na frente de todos eles. A história que aparece em ‘O canto livre de Nara Leão’ me fez sonhar que eu estava flutuando. Porque era isso que ela fazia: flutuava entre pessoas, projetos, estilos e ambições. No fundo, isso revela os nossos desejos também.

Ainda assim, se Nara Leão fosse uma influencer, ela provavelmente já teria sido cancelada muitas vezes por suas contradições. Como a “musa da Bossa Nova” rompe com o estilo que ela mesma criou e volta para ele 10 anos depois? Como ela “rouba o lugar de fala” do samba? Como ela recusa se maquiar para cantar na televisão e, anos depois, aparece com essa sombra azul? Aliás, como ela encomenda e canta uma música submissa como Com açúcar, com afeto? 

Mesmo tendo morrido há 32 anos, Nara Leão chegou aos trending topics na semana passada porque Chico anunciou que não cantaria mais o retrato de uma mulher sofredora que espera o marido chegar da boemia. No ano passado, a influencer body positive foi cancelada porque, inconscientemente, assumiu que queria emagrecer. Outra, que pregava pela aceitação dos seios naturais, colocou silicone. Sem contar todas as vezes que ícones veganos são cancelados pelo crime de um queijinho. Ou toda vez que gostamos de uma roupa da Zara. 

A gente sabe que a tal cultura do cancelamento – aquela qual ninguém aguenta mais teorizar sobre – exagera. E ela é especialmente cruel quando cria uma prisão especial para as mulheres. Mais uma. As redes sociais endurecem as grades dessa prisão e intensificam seus efeitos, assim como ampliam todas as outras coisas. 

Quem abraça uma causa dentro desse personagem do metaverso deve mostrar a perfeição dentro da causa. Seguir um padrão que nunca foi escrito por ninguém, mas que está lá, muito maior e mais pesado do que a vida real. Romper com nossos desejos antigos pode ter consequências graves como ataques, ofensas ou ameaças. 

Não tenho dúvidas que esse seria um preço que Nara estaria disposta a pagar para seguir flutuando. Diferentemente de seguidores e bots e da @fulanadetal, ela parecia saber que a contradição é o que nos torna humanos. E que, se a contradição da Nara incomoda a @fulanadetal. Bom, aí já é um problema da @fulanadetal. 

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